Por Ronaldo José de
Sousa*
O furacão Sandy foi mais um fenômeno natural que
deixou várias pessoas mortas e outras feridas, além de estragos sem conta.
Aliás, esse tipo de catástrofe tem acontecido com frequência, fato que, por si
só, já questiona a capacidade humana de colocar o desenvolvimento tecnológico,
realmente, a serviço do próprio homem. Será possível que o aparato científico
que pretende alcançar a imortalidade não esteja em condições de pelo menos
prever com mais antecedência uma ocorrência como essa?
Entretanto, o que mais me incomoda não é isso e sim
o modo como alguns encaram esse tipo de acontecimento. Fiquei estupefato quando
vi, numa rede nacional de televisão, uma manchete em que se destacava que o ciclone
tropical havia impedido o encontro amoroso entre os atores globais Murilo
Benício e Débora Falabella, que aconteceria em Nova Iorque.
Meu Deus! Ocorreu um desastre que deixou mais de cem mortos! Muitas
pessoas perderam casas, móveis e outros bens. Árvores foram arrancadas pelo
vento, ruas ficaram alagadas, estradas e pontes foram destruídas. Em Cuba,
cerca de 180 mil edificações desmoronaram e mais de 1.000 km² de terras
agrícolas foram afetadas. Diversas famílias precisam de abrigo, água e
alimento. O transporte público parou de funcionar em muitos lugares. Com a
falta de eletricidade, muita gente sofre com o frio. Isso tudo acontecendo e
tem gente preocupada com o encontro desses atores!
Na mesma linha, a modelo Nana Gouvêa, conforme foi noticiado
em vários sites e em revistas de grande circulação, andou fazendo poses fotográficas
entre os destroços deixados pelo furacão, atitude que demonstra nítida indiferença
em relação ao sofrimento das vítimas, pois ignora o que aquelas cenas significam
para estas mesmas vítimas e privilegiam o culto à beleza.
Fico pensando aonde vamos chegar! Alguns veículos midiáticos
agem como se não houvesse nada mais importante do que os romances, os ajustes e
desajustes, a beleza e o sucesso dessas celebridades. Não basta que esses meios
igualem os acontecimentos, fazendo parecer, por exemplo, que a queda de um
grande time para a segunda divisão do campeonato brasileiro é tão grave quanto
um desastre ecológico? Agora, não se importam de desviar a atenção das pessoas
para suas futilidades em detrimento do que realmente está em questão?
A vida humana é sagrada. Ela ocupa um lugar privilegiado na
pregação de Jesus que, ao apresentar o núcleo central de sua missão redentora,
disse: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo
10,10). Conquanto ela só alcance plena realização na eternidade, desde já é
condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e
unitário da existência. Hoje, este anúncio a respeito da sacralidade da vida torna-se
particularmente urgente, dado a maneira impressionante como novas mentalidades
ameaçam a integridade ética dos povos.
A vida – e os acontecimentos que a afetam – deve ser
considerada com sentido de responsabilidade. A boniteza de alguém ou o namoro
de outrem não podem a ela se sobrepor, sob pena de torná-los, tais
acontecimentos (mesmo os trágicos, com pessoas comuns), banais e menos
importantes do que os momentos triviais dos famosos.
Não há nada de romântico no sofrimento alheio. Peço a Deus
que essa mentalidade não se espalhe ainda mais. Uma insensibilidade exacerbada
poderia ser muito nefasta para todos nós. Até mesmo para os belos e para os
namorados!
* Doutor em sociologia e co-fundador da Comunidade Católica Remidos No Senhor.