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terça-feira, 21 de setembro de 2010

Metafísica e Religião na experiência pós-moderna

METAFÍSICA E RELIGIÃO NA EXPERIÊNCIA PÓS-MODERNA: UMA REFLEXÃO SOBRE O PENSIERO DEBOLE DE GIANNI VATTIMO
(Francisco Elvis Rodrigues Oliveira)

Este artigo pretende pôr em discussão o tema da Metafísica. Contudo, não ao modo grego, podemos dizer, mas gostaríamos de pôr esta reflexão sob a perspectiva de um filósofo italiano contemporâneo, a saber, Gianni Vattimo. O autor confronta a temática da Metafísica (ou mais precisamente o seu fim) com o fenômeno de retorno à religião, que ele compreende acontecer em nossa situação epocal, compreendida com o nome de pós-Modernidadade.

Esta temática surge como relevante em virtude não somente da importância do filósofo aqui estudado: professor da Universidade de Turim, um dos idealizadores da constituição européia, autor com uma extensa produção filosófica, além de ser reconhecidamente um dos mais importantes intelectuais do Ocidente, visto que seu pensamento não está restrito apenas à filosofia italiana ou européia.

Ademais, Vattimo, ao pensar o tema acerca do retorno da Religião e do fim da Metafísica, põe também em questão outros temas que pertencem e remetem a este fenômeno: refirimo-nos à pós-Modernidade. Vattimo está incluído na relação do que se chamou de filósofos pós-heideggerianos, ou seja, que trabalham a temática da pós-Modernidade baseados na declaração do fim da Metafísica. Ele sofre, ainda, a influência de Nietzsche e, ao longo de seus livros, constrói uma talvez impensável relação harmônica entre este dois autores, tomando estes temas, que compreende ser comum em ambos.

A beleza da exposição de Vattimo e a consistência de seus argumentos serviram para referendar a opção por esta exposição, além, evidentemente, da premência que as discussões postas por ele começam por nos instigar.

Compreendemos, pois, que o objeto de estudo para o qual Vattimo dedica seu pensamento seja a pós-Modernidade e com ela a formulação de sua teoria, caracterizada pela expressão pensiero debole, ou o pensamento fraco. Tem sido esta teoria o fio condutor a guiar toda nossa exposição e com base nela também apresentamos outras matérias que o pensamento fraco convida à uma reflexão, ou seja, Metafísica, fenômeno religioso, Cristianismo, pós-Modernidade, niilismo, hermenêutica, secularização, ecumenismo, entre outros. Podemos perceber logo de início que o tema de per si está enriquecido com outras tematizações que não estão desarmonizadas entre si, mas ao contrário, todas fazem parte deste “mosaico” formador do pensiero debole vattimiano.

Tal extensão de matérias deve-se, talvez, pela mesma abrangência do pensamento deste filósofo que dialoga com toda a tradição. Isto já nos indica a concepção que Vattimo tem sobre a história da Filosofia. Para ele, a história da Filosofia, ou as histórias da Filosofia são partes atuantes em um mesmo processo e estão dotadas de um caráter interpretativo e a tradição pode ser compreendida como a transmissão destas mensagens lingüísticas. E, como mensagens, recebem as interpretações da comunidade a que lhes são destinadas.

Vattimo desenvolve uma reflexão sobre o fenômeno de retorno da Religião nos tempos atuais. Para ele, esse novo florescimento religioso que se pode perceber ocorre, em última instância, em razão de um sentimento de desencanto com o mundo. Este desencanto do qual Vattimo nos fala remete ao pensamento moderno, ou ainda, ao pensamento técnico-científico que intentou desfundar a Religião e, com ela, a Metafísica, sustentando não haver lugar para este tipo de pensamento. Em outros termos, o pensamento técnico-moderno-científico, assumira o lugar ora ocupado pela Religião, assim como a sua função de explicar os fenômenos do mundo, ao mesmo tempo que determinava os critérios para validação da verdade.

Vattimo compreende que tal pensamento moderno seria tão-somente o ponto de chegada da Metafísica, uma vez que, a exemplo da Religião, a ciência também se assumia como uma estrutura forte, fechada a um debate e que determinava os critérios de validade da verdade. Houve, pois, um desencanto nesta concepção de ciência. Desse modo, “tanto a crença na verdade ‘objetiva’ das ciências experimentais, como a fé no progresso da razão em vista a um pleno esclarecimento, surgem precisamente, como crenças superadas” .

Isto significa que a Religião metafísica não foi capaz de responder às questões do homem, que logo foi suplantada pelo pensamento moderno-científico. Contudo, este pensamento também fora desencantado e compreendemos que a ciência também não respondera a tais questões. Neste momento, Vattimo nos apresenta outra temática de importante relevância para toda a discussão da pós-Modernidade: o niilismo. Do desencanto do homem com a religião e com a ciência: o que restaria pois, para acreditar? Restaria o nada. O niilismo, desse modo, aparece como a nossa “única chance” , ou seja, a “chance de uma nova posição do homem perante o ser” . Toda esta construção acerca do niilismo, Vattimo desenvolve com base em uma “junção” harmônica que ele compreende haver entre o conceito niilístico de Nietzsche e Heidegger, assim como, mais adiante, a declaração da “morte de Deus” e a do “fim da Metafísica” parecem significar uma e a mesma coisa. Essa ausência de fundamento ou este “abismo” diante do qual o homem se depara longe de ser algo negativo, Vattimo sustenta que é parte constitutiva da natureza humana. Ele apresenta, pois, o niilismo como vocação.

É neste ponto que Vattimo relaciona o niilismo com o Cristianismo. O Cristianismo possui em si, uma vocação niilista, pois ele, que tem por centro de fé o rebaixamento de Deus, o Deus que se fez homem, também, apresenta, em seu bojo, esta tendência ao esvaziamento, ou ainda, secularização. Este termo pode ser compreendido como redução do valores supremos, absolutos, violentos: as estruturas fortes sobre as quais o ser se fundava, mas com o desfundamento destas estruturas (este vem a ser o pensamento fraco), o ser se torna transitório, historio, caído no tempo.

A “morte de Deus”, então seria o marco da pós-Modernidade, o que seria o mesmo que anunciar o fim da Metafísica. Entretanto, isto não significa dizer que a pós-Modernidade seria a superação da Modernidade. Com o fim da Modernidade, desaparece com ela esta característica de novo, ou seja, de busca de uma verdade sempre mais ulterior e absoluta. A pós-Modernidade, podemos dizer, seria uma despedida da Modernidade; não um superação, mas uma distorção. A verdade, portanto, para pós-Modernidade não está objetivamente posta, mas ela é aceita com base na interpretação da comunidade que recebe tal mensagem. Este é o caráter interpretativo do ser, o que Vattimo chama de ontologia hermenêutica.

Desse modo, Vattimo trata sobre a questão de Deus, do ser, como uma espécie de pano de fundo para tratar a situação atual de um modo geral. Isto significa que ao dizer que a história da salvação é interpretação, Vattimo não apenas se remete à interpretação da letra bíblica, mas à nossa própria condição humana. A pós-Modernidade apresenta a filosofia como interpretação, como hermenêutica, ou ainda, como filosofia da comunicação social (parafraseando Apel). A história perde ser aspecto linear e aparece apenas como um conjunto de mensagens transmitidas que convidam seus leitores a responder a tais mensagens. Por certo que para evitar, como diz Vattimo, interpretação aberratórias, o autor encontra no preceito cristão da caridade o limite para a interpretação.

A reflexão acerca do limite da caridade para a interpretação ou, o que seria a mesma coisa, a caridade como limite para que se evitem excessos hermenêuticos está impregnada de significação e apelo ético. Nesse sentido, pode-se compreende que todo este debate só pôde tomar espaço e aparecer no cenário de discussão filosófica, justamente em virtude ao caminho de esvaziamento do ser e o fim das estruturas fortes, visto que a história é compreendia não mais de um modo peremptório, mas aberto. Esta abertura confere a possibilidade de um diálogo com o outro (na perspectiva de Lèvinas) e, em última instância, a abertura ao diálogo ecumênico e inter-religioso. Isto nos leva à melhor compreensão deste salto e não superação da pós-Modernidade em relação à Modernidade. Ela não a supera, pois rompe com o novo, mas dialoga com a tradição como um todo. É um sistema aberto.

Outra demonstração da eticidade que tal pensamento carrega consigo pode ser feita pela idéia ou o pressuposto do ser agora compreendido com anúncio. Trata-se do fenômeno natural de constante nascimento e morte do ser. Ou seja, o ser é anúncio que se transmite. Esta transmissão se dá por meio do outro, das gerações.

Nesse sentido, compreendemos que a temática proposta por Vattimo acerca do fenômeno religioso, termina por ser apenas uma das questões, embora centrais em sua Filosofia, no estudo da pós-Modernidade e do pensiero debole. O pensamento fraco, ao pensar a pós-Modernidade, alcança uma complexa, ampla e variada área sobre a qual lança seu olhar e reflexão, chamando todos os seus elementos a um diálogo constante e harmônico entre si.

A Filosofia que por um período experimentou um silêncio acerca de Deus e da Religião, que não mais considerava relevante tais questões, perde as suas razões para o seu ateísmo inerte, uma vez que, com o anúncio de Nietzsche e de Heidegger sobre a “morte de Deus” e o fim da Metafísica, a Religião perde seu caráter metafísico, violento, mas também a ciência, que de igual forma, não pode se considerar absoluta perde a razão para o ateísmo filosófico. Por isso a Religião retorna e toma novamente pauta no cenário de discussão filosófica.

Vattimo, neste itinerário, desenvolve sua teoria do pensamento fraco como uma redução ao infinito e encontra como resultado o Cristianismo. Ele sustenta que o pensamento europeu, em virtude daquele desencanto ora exposto buscou a sua identidade cultural. O Cristianismo está, pois, na fundação do pensamento europeu. O que Vattimo conclui com tal asseveração é que tirar o cristianismo da Europa, ou do Ocidente como um todo, seria tirar-lhe ele próprio. Deus uma vez mais resiste e reaparece. Talvez seja esta mesma a característica da Religião, visto que religião seria um constante movimento de retorno (para Deus). Desse modo a Religião que reencontrada na pós-Modernidade cumpre seu caráter ou vocação de retorno. Como diz Vattimo, “De qualquer modo, a Religião não está morta, Deus ainda está ao nosso redor...”.

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