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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O corpo atrapalha quem quer ser santo?


Viajar de avião é uma barra! De cereal, é verdade, mas é uma barra! Ainda mais porque não se entende bem os letreiros de indicação. Onde está escrito push não é para puxar, mas para empurrar. Onde está escrito pull não é para pular, mas para puxar. E onde está escrito exit não é para hesitar, mas para pular.

Porém, hoje em dia não há outro jeito. Por causa da praticidade, é necessário relevar o pouco conforto da classe econômica das companhias aéreas, pedir a intercessão de todos os santos Dumont e encarar a viagem. Mesmo Deus, quando quis comunicar uma mensagem a Davi, enviou o profeta Natam.

No meu caso, tenho ainda que superar o temor. Morro de medo de avião. Por causa disso, só vou ao banheiro de uma aeronave em último caso, porque fico pensando que se eu morrer nessas condições, vou me sentir muito constrangido quando chegar ao céu. Lá muita gente vai se encontrar e, certamente, um vai querer saber do outro como foi que cada um morreu. Imagino alguém dizendo: “Morri num campo de batalha, defendendo meu país”. E outro: “Morri no seio de minha família, aconselhando os meus filhos”. E ainda outro: “Morri nos braços da pessoa que amava”. E eu? O que direi? Seria muito constrangedor apresentar-se com um rolo de papel higiênico na mão, anunciando o lugar onde estava quando o avião caiu.

Numa dessas viagens, entretanto, não agüentei e fui ao banheiro do avião. Talvez a falta de costume tenha contribuído para que eu me esquecesse de travar a porta. Não é que mais alguém achou de ir ao toalete justamente quando eu estava lá! Era um homem alto, mais alto do que eu. Mais forte também. Lembro-me bem de sua fisionomia. Ah! Como me lembro! Vestia um elegante terno preto e tinha aspecto de autoridade.

Quando aquele sujeito empurrou a porta, nunca me senti tão exposto. Sua aparência fez com que ressoasse em minha mente aquela musiqueta que caracteriza a ação do Batman. Só compreende plenamente essa situação quem já passou por algo semelhante. Aqueles segundos são eternos! Ninguém sabe o que colocar no meio daquele entreolhar repleto de constrangimento. Se sou eu no lugar dele, provavelmente diria: “Jesus te ama!” e fecharia a porta imediatamente. Mas daquele sujeito só saiu um forçado “desculpe-me” que não amenizou em nada a situação. E o pior foi ter que passar por ele no corredor do avião.

Mas aquele episódio desagradável me fez pensar seriamente sobre a condição do homem em relação ao seu próprio corpo. Mesmo que se considere o aspecto cultural, não há como negar que a nudez constrange porque o corpo é pessoa. O corpo não é algo que escapa ao indivíduo, mas é parte constitutiva dele. Isso significa que não se pode conceber uma pessoa sem sua dimensão física. De maneira que uma perfeita autodefinição exige que se assuma a corporeidade plenamente, sem preconceitos em relação a ela.

Conheço pessoas que preferiam não ter corpo. Acham que viveriam melhor sem os limites e as tendências de sua condição física. Tratam o próprio corpo de uma maneira muito perigosa: dissociado de si. Outros, pelo mesmo motivo, não se importam de expor o corpo demasiadamente, deixando de lado não só o pudor como a própria sobriedade e discrição. Essa atitude reflete o entendimento que têm a respeito de si mesmos, pois consideram o corpo como uma propriedade a ser usada conforme as decisões que tomam.

Mas o maior equívoco talvez seja o daqueles que consideram o corpo como algo desordenado à santidade. O corpo e sua constituição, seus limites e fraquezas e até suas tendências sexuais contribuem para a busca da santidade. Ele induz o homem a reconhecer sua condição humana. A força sexual que nele está presente é fundamental, por exemplo, para a constituição da família e até para a busca pelo relacionamento, ajudando a retirar o homem de seu próprio fechamento.

Alguns aspectos culturais presentes na sociedade, cada vez mais hedonista e erotizada, fazem pensar que a constituição física do ser humano não contribui com quem quer ser santo e renunciar aos prazeres desse mundo. Um olhar evangélico sobre a pessoa leva a perceber que a obra prima da criação de Deus – o homem e a mulher – é maravilhosa em todos os seus aspectos.

O pecado fez decair o corpo. Mas ele também foi redimido e reordenado à santidade. É suficiente tê-lo em conta de parceiro e não de inimigo, mesmo que para isso seja necessário impor-lhe alguns limites. Para que “tudo aquilo que sois – espírito, alma, corpo – seja conservado sem mancha alguma para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5,3). Descobri isso no avião, mas confesso que preferia ter descoberto de outra maneira.

Ronaldo José de Sousa
Formador Geral da Comunidade Remidos no Senhor

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