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sábado, 27 de dezembro de 2014

Amizade e o quilo de sal


Dia desses recebi pelo celular um “pedido de amizade” por meio de uma rede social. Confesso que nunca havia percebido o que se seguia após a confirmação de tal pedido. Mas desta vez foi diferente. Confirmei a solicitação e observei que apareceu uma mensagem a seguir que dizia: “Vocês são amigos agora”. Aquilo me chamou a atenção e me deixou intrigado, questionando se amizade era assim mesmo algo tão rápido e imediatamente pronto de se conseguir. Afinal, havia aprendido que um amigo é um tesouro (Cf. Eclo 6, 14) e que, justamente por sê-lo, é algo raro, que leva um tempo para se encontrar e conquistar.

Essa ideia de que a amizade leva um tempo para ser gestada já aparece entre os antigos filósofos, tanto os gregos quanto os romanos. Por exemplo, Aristóteles afirma em sua Ética a Nicômaco que “não podemos conhecer as pessoas enquanto elas não tiverem ‘consumido juntas o sal proverbial’”[1]. Este mesmo princípio está também presente na obra A amizade, do político e filósofo romano Marco Túlio Cícero: “É preciso comer muitos módios de sal com alguém para que a amizade se consolide plenamente”[2].

Sobre esta questão do sal, vem à mente um anedótico caso da vida de Lampião, o rei do cangaço: Diz-se que, certa vez, Lampião pediu a uma senhora que preparasse comida para ele e seus homens, ao que esta, pelo nervosismo da situação, esqueceu de colocar sal no alimento. Um dos cangaceiros de Lampião começou a reclamar com a mulher pelo insosso da comida que estava sem gosto. Lampião, então, despejou um quilo de sal no prato do reclamante e o obrigou a comer toda aquela comida. Conta-se que o cangaceiro morreu antes mesmo de terminar o prato.

Parece que a amizade deve ser “salgada” aos poucos, em medidas. Tanto é temerária uma amizade surgida sem que se coma o sal juntos por um tempo, quanto também é perigosa uma em que se come todo o sal de um só golpe. Vemos, portanto, que a amizade é temperada pelo tempo.

Por Francisco Elvis Rodrigues Oliveira
(elvisroliveira@hotmail.com)




[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. [1985]. Trad. Port. Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: UnB, 2001, p. 157.
[2] CÍCERO, Marco Túlio. Da amizade. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. Col. Breves encontros. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 82. Em outra tradução temos a seguinte fórmula: “É preciso ter comido muito sal juntos antes de cumprir deveres de amizade” (Lélio ou A amizade. Trad. Port. Paulo Neves. Col. L&PM Pocket. N.º 63. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010, p. 121).

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo texto! Podemos fazer uma reflexão sobre a velocidade não só das informações, mas também dos relacionamento nessa era tecnológica.
Outro dia vi um artigo sobre o conversas de salas de bate-papo que resultam em encontros amorosos. Quem está por trás da tela. Segundo o artigo, há diversas razões pela procura desse tipo de sala, mas quem está por lá quase sempre é um(a) mentiroso (a). Coincidência?