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quinta-feira, 28 de agosto de 2008

POR QUE ALGUMAS PESSOAS NÃO ENTENDEM A BÍBLIA?*

(Extraído do livro Perguntas intrigantes, respostas instigantes)

A Palavra de Deus é luz para os meus passos. Vivo pensando nela e, freqüentemente, o cotidiano lembra-me algumas passagens. Um dia, estava caminhando descontraidamente numa praça, comprei um churrasquinho no espeto (daqueles que custam cinqüenta centavos) e me lembrei: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mc 14, 38b). Outra vez, vi um rapaz de aproximadamente vinte anos namorando uma mulher de quarenta. Logo me veio à mente: “Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa” (Ap 3, 11). Até já cismei que o cego Bartimeu fosse meu primo, porque era filho dum Timeu (cf. Mc 10, 46). Aliás, sempre que estou para tomar um banho, olho para o chuveiro e penso no que lhe disseram: “Coragem, ele te chama” (Mc 10, 49b)[1].
A leitura da Bíblia sempre me introduz num universo de compreensão de muitas coisas, inclusive dela mesma. Aliás, cresci ouvindo alguns bons pregadores dizendo que se deve ler a Bíblia à luz da realidade. Pessoalmente, sempre tendi mais fortemente a ler a realidade à luz da Bíblia[2].
A Palavra de Deus esclarece-me coisas às vezes imperceptíveis à minha razão. Paradoxalmente, estou sempre escutando queixas de pessoas que afirmam não entenderem a Bíblia quando lêem. Algumas até desistem de consulta-la, pois não sentem que isso influencie significativamente as suas vidas. Por que isso acontece?
Para algumas pessoas, falta um pouco de estudo. Falta contextualizar a Escritura em seu ambiente geográfico, histórico e cultural. Falta, ainda, sistematizar a leitura, evitando tomar sempre passagens isoladas e nunca iniciar e concluir um livro inteiro. Interessante que as pessoas não lêem um livro comum aleatoriamente, mas o fazem a partir do começo e vão até o fim. Por que não fazem o mesmo com os livros da Bíblia? Esquecem-se que a Escritura é um conjunto de 73 livros, dos mais variados gêneros, escritos em épocas e por autores diferentes. Cada um desses livros transmite, no seu conjunto, uma mensagem religiosa.
Portanto, estudar ajuda muito. Fazer um curso ou ler um livro de introdução à Bíblia pode ser muito útil. Doutro modo, é coerente escolher uma boa tradução e não ter preguiça de consultar as notas de rodapé.
Às vezes, porém, o estudo atrapalha. Refiro-me àquelas pessoas que esmiúçam a Bíblia em termos de contexto social, desvelam o caráter humano dos livros, atribuem intenções meramente temporais aos autores e, quando menos se espera, ver-se extraído o sentido mistagógico da Escritura. Em outras palavras, abre-se mão do aspecto sobrenatural dos livros sagrados e, de certo modo, coloca-se Deus à parte, como se Ele fosse apenas uma construção da mente dos autores.
Quem age assim também não entende a Bíblia. Diria: esse muito menos! Não entende o “espírito da coisa”, o fundamental, o essencial: a expressão de um Deus que se comunica com aqueles de quem quis fazer seus filhos.
A Bíblia é palavra revelada. Lê-la sem esse “senso do mistério” é retirar o seu encanto, o seu gosto; é torna-la seca, sem vida, sem óleo. É transformá-la num livro qualquer. A Bíblia dá respostas, mas também faz perguntas. Algumas delas, bem intrigantes.
É por isso que muitas pessoas não entendem a Bíblia. Por que estudam ou porque não estudam, não conseguem mergulhar na relação com o texto. Ler a Bíblia é fazer memória[3]; é introduzir-se na trama, na dança do amor. É encontrar-se nos acontecimentos, sentir-se destinatário das palavras ditas por Deus, seja a quem for, mesmo àqueles personagens mais santos. Nesse sentido, é que a Bíblia não é um livro, mas uma pessoa.
Destarte, não se deve ter medo de encantar a vida. Se me pedissem para resumir a Bíblia numa frase, eu pensaria em “Eu amo você”. E sentiria Deus dizendo isso fortemente para a humanidade inteira e para mim em particular.
Viver sem paixão não é próprio de Deus e nem do homem. Receio que aquele que foge do mistério e do encanto, foge de si mesmo e, por causa disso, não consegue entender nem a Bíblia nem a própria vida.
[1] Definitivamente, banho nunca foi o meu forte; quase não me casava porque tinha que “correr os banhos”.
[2] Cf. Ronaldo José de SOUSA, Ide às encruzilhadas, p. 75.
[3] Cf. Maria Emmir Oquendo NOGUEIRA, Silvia Maria Lima LEMOS, Tecendo o fio de ouro, p. 37-40.

RONALDO JOSÉ DE SOUSA (Consagrado na Comunidade Remidos no Senhor. Doutorando em sociologia pela Universidade Federal de Campina Grande. Além das atividades como pregador e escritor, ele é professor da Faculdade Católica de Campina Grande (FACCG).

*Texto publicado com autorização do autor

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